O objetivo é manter a estrutura por ao menos seis meses no local, que esta no meio de uma disputa entre garimpeiros e indígenas
João Gabriel e Fabio Serapião
São Paulo,SP e Brasília, DF
A Polícia Federal vai instalar até o fim do mês uma base na terra indígena Yanomami, localizada no estado de Roraima. O objetivo é manter a estrutura por ao menos seis meses no local, que esta no meio de uma disputa entre garimpeiros e indígenas.
A base servirá como ponto de apoio para a intensificação do trabalho de fiscalização contra o garimpo ilegal na região. A decisão da corporação ocorre em meio a denúncias de violência contra indígenas no território.
Os detalhes sobre o tamanho do efetivo da PF e como se dará a instalação da base ainda estão sendo definidos. Além dos policiais, também participam das conversas sobre a base integrantes do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente), Funai (Fundação Nacional do Índio) e Ministério da Defesa.
Também nesta quarta, a Câmara dos Deputados aprovou uma diligência e deve se juntar ao Senado em uma viagem a Roraima. O objetivo dos parlamentares é conversar com lideranças indígenas, autoridades locais e forças de segurança para entender melhor o conflito.
A viagem está programada para os próximos dias 11 e 12. Agenda e participantes ainda não estão definidos.
Como compreende uma região com conflitos e de difícil acesso, a comitiva de parlamentares precisará do apoio da Força Aérea e possivelmente de outros órgãos federais para realizar o reconhecimento do local -algo que ainda está sendo negociado.
“Se não for possível, vamos tentar com as principais lideranças em Boa Vista [capital do estado] para conversarmos”, diz o senador Humberto Costa (PT-PE), que está à frente da iniciativa junto com a deputada Joênia Wapichana (Rede-RR).
“Essa é uma resposta do Parlamento. A todos os instantes nós vemos, nos noticiários, cada vez mais se tornar grave a violência nas terras indígenas. Existe um apelo da sociedade brasileira para que responda as denúncias recentes de ‘cadê os yanomamis?’”, disse a deputada.
A parlamentar se refere à mais nova campanha que inflou as redes sociais nos últimos dias buscando resposta para o desaparecimento de 24 indígenas da comunidade Araçá.
O episódio é o mais recente da escalada da tensão e da violência entre os yanomamis da região e os garimpeiros.
No dia 25 de abril deste ano, lideranças indígenas locais denunciaram que integrantes do garimpo ilegal teriam sequestrado, estuprado e assassinado uma jovem de 12 anos.
A acusação foi feita pelo Condisi-YY (Conselho Distrital de Saúde Indígena Yanomami e Ye’kwana), mas nota emitida pelo governo federal afirma que uma investigação feita pelo Ministério Público Federal, pela Funai e pela Secretaria Especial de Saúde Indígena não encontrou indícios de homicídio ou estupro.
Integrantes da Polícia Federal, por sua vez, disseram ao jornal Folha de S.Paulo que o desaparecimento de indígenas na terra Yanomami não tem relação com a agressão de garimpeiros.
De acordo com interlocutores, policiais que estiveram com pessoas da comunidade pouco antes de os indígenas deixarem o local afirmaram que a saída teria ocorrido de forma voluntária.
A investigação sobre o caso segue em andamento. Quando a força tarefa de órgãos públicos foi à comunidade Araçá investigar a morte da jovem de 12 anos, encontrou o lugar completamente vazio e algumas casas queimadas.
Ainda não se sabe o que houve. A Condisi-YY afirma que é possível tratar-se de uma tradição da aldeia, de queimar suas casas e se mudar para outro lugar após a morte de um parente -termo usado pelos indígenas para se referirem aos seus- mas não se descarta que possa ser uma retaliação dos garimpeiros pela denúncia.
“Esses indígenas foram coagidos e instruídos a não relatar qualquer ocorrência que tenha acontecido na região, dificultando a investigação da Polícia Federal e Ministério Público Federal, que acabaram relatando não haver qualquer indício de estupro ou desaparecimento de criança”, diz uma nota da entidade indígena.
“Alguns indígenas relataram que não poderiam falar, pois teriam recebido 5g de ouro dos garimpeiros para manter o silêncio”, continua o documento.
A ministra do Supremo Tribunal Federal Cármem Lúcia afirmou na última quinta-feira (28) que essa “perversidade […] não pode permanecer como dados estatísticos, como fatos normais da vida”.
Um relatório da entidade Hutukara Associação Yanomami aponta ainda que a comunidade Araçá está “em vias de desaparecimento” e que parte dela não produz a própria comida, o que aumenta a vulnerabilidade dos indígenas. Além disso, a introdução de bebidas alcoólicas e doenças pelo garimpo é outra ameaça.
A Araçá fica próxima da região de Palimiu onde, em 2021, diversas comunidades indígenas foram atacadas por garimpeiros armados.