Em mensagens enviadas a Roberto Castello Branco, apelavam ao caráter persecutório: “Assim vcs querem me derrubar”, disparou o presidente
“Recuem”. Dessa forma, em mensagens curtas enviadas por WhatsApp, semelhantes a um comando militar, o presidente Jair Bolsonaro tentou anular decisões na Petrobras sobre aumento de combustíveis mesmo depois de o reajuste ser anunciado, como apurou o Estadão/Broadcast. Outras mensagens enviadas ao primeiro presidente da petroleira, Roberto Castello Branco, apelavam ao caráter persecutório: “Assim vcs querem me derrubar”, disparou.
Ao presidente atual, o general Joaquim Silva e Luna, Bolsonaro disse que a Petrobras “tem de ser uma empresa que dê lucro não muito alto”, o que motivou uma tentativa do assessor da presidência responsável pela comunicação da estatal, coronel Ricardo Bezerra, a retirar a palavra ‘lucro’ para não parecer uma provocação ao presidente.
O comportamento adotado por Bolsonaro em relação à Petrobras desde o início de seu governo não mudou. Os acionistas decidem nesta quarta-feira, 13, a formação do novo conselho de administração que referenda, a nova presidência executiva – um ano antes do fim previsto para o mandato -, em meio a arroubos presidenciais que vão do “eu não apito nada (na Petrobras) e cai no meu colo” até acusações de falta de profissionalismo.
Em entrevista recente ao programa Roda Viva, da TV Cultura, Castello Branco tinha confirmado que foi alvo de pressão direta de Bolsonaro, por meio de mensagens, mas o teor delas não tinha sido revelado. O general Joaquim Silva e Luna, que hoje deixa o cargo, não foi tão direto em relação ao presidente, mas em entrevistas recentes afirmou que as pressões eram crescentes e, ao Estadão/Broadcast, fez uma declaração carregada de simbolismo: “É mais fácil encontrar culpados do que solução.”
“A gente precisava de alguém mais profissional”, disse Bolsonaro anteontem, referindo-se à gestão do general Joaquim Silva e Luna, que ele mesmo colocara no cargo, afirmando ser a pessoa que ia “dar uma arrumada” na empresa. “Vocês vão ver como a Petrobras vai melhorar”, disse, na ocasião, ao séquito de apoiadores que se revezam no portão do Palácio da Alvorada.
Silva e Luna chegou à Petrobras deixando claro que não interferiria na área técnica. Costumava dizer que a equipe sabia o que fazer e que podia trabalhar tranquila. Para assessorá-lo, levou um grupo de seis militares. A área de Comunicação, prioritária para Bolsonaro, aflito por notícias positivas, ficou a cargo do coronel Ricardo Bezerra, assim como a chefia de gabinete foi ocupada por um militar da mesma patente, Jorge Ricardo Áureo.
Segundo advogados ouvidos pelo Estadão/Broadcast, o presidente Jair Bolsonaro cometeu uma infração à Lei das S.A. (Sociedades Anônimas) ao mandar mensagens ao então presidente da Petrobras Roberto Castello Branco, com ordens para a redução de preços dos combustíveis.
“A Lei das S.A. determina, como dever de lealdade, que nenhum acionista vote ou aja na defesa de seus próprios interesses, mas sempre dos melhores interesses da companhia”, diz Mário Roberto Nogueira, sócio do NHM Advogados. “As mensagens, porém, deixam claro que ele (Bolsonaro) não pensava na população ou na economia do País, mas simplesmente em seu interesse pessoal, (em função da queda de sua popularidade, com a mensagem ‘assim, vcs querem me derrubar’)”, afirma.
André Neves, sócio de mercado de capitais do BZCP, concorda que cabe questionamento sobre se as mensagens foram do melhor interesse público, por conta do estatuto da Petrobras, ou preocupação eleitoreira.
Como as ordens de Bolsonaro não foram acatadas, não caberia questionamento à Justiça, segundo os especialistas, já que não houve prejuízo efetivo aos investidores, diz Nogueira. “Ao contrário, os administradores preservaram o dever fiduciário para com a companhia e não quem os indicou aos cargos”, afirma Neves.
Caberia à Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que regula o mercado de capitais, investigar se houve infração à legislação.
Lucro ‘absurdo’
Obviamente, o mercado considera como notícias altamente positivas o aumento do lucro líquido, a distribuição de dividendos, a redução do endividamento. Tudo isso vem ocorrendo na empresa. Mas, para o presidente, são mais um estorvo. Em sua lógica particular, está convicto de que isso contribui negativamente para seu governo.
No ano passado, depois da divulgação do resultado do terceiro trimestre, Bolsonaro descarregou sua artilharia chamando de “absurdo” o lucro da empresa. “(A Petrobras) tem de ser uma empresa que dê lucro não muito alto”, disse, para desespero de Silva e Luna, que chegou a confidenciar a assessores não saber mais o que fazer.
O desatino chegou ao ponto máximo na divulgação seguinte. Diante da reação do presidente, o coronel Bezerra cogitou não incluir na divulgação do resultado de 2021 a palavra lucro, para não parecer provocação. Mas, como relatar o balanço sem falar no lucro recorde de RS$ 106,6 bilhões? Somente o diretor Financeiro, Rodrigo Araujo, conseguiu convencer o assessor da impossibilidade.
Silva e Luna estava acuado com a pressão de Bolsonaro, que, nos últimos dois meses, passou a falar com ele apenas por intermédio do ministro das Minas e Energia, Bento Albuquerque. Por outro lado, a diretoria executiva e o conselho de administração começaram a dar sinais de preocupação.
O megarreajuste de março, 18,7% na gasolina e 24,9% no diesel, que ficaram inalterados por quase dois meses em plena escalada do petróleo, e de 16,1% no gás de cozinha, congelado por mais de cinco meses, foi decidido depois de uma reunião tensa de diretoria. Pressionado pelo Planalto, Silva e Luna ainda tentava segurar um pouco mais os preços, mas os diretores insistiam na inviabilidade, especialmente o diretor de Comercialização, Cláudio Mastella, que responde pela área. Os conselheiros também defendiam a urgência do reajuste e ao general não restou alternativa a não ser a que acabou causando sua demissão sumária.
Em Brasília, três meses antes da indicação de Adriano Pires para o comando da empresa, Bolsonaro já discutia com auxiliares e aliados de extrema confiança nomes para a cadeira de Silva e Luna. É nesse momento que Caio Andrade, secretário especial do ministro da Economia, Paulo Guedes, é cotado na lista para a troca de comando.
Ligado ao senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente, Caio estava bem avaliado no Planalto pela sua atuação no desenvolvimento da plataforma digital GovBR, que deverá ter papel importante nas eleições deste ano. Mas, quando seu nome ganhou força após as desistências de Adriano Pires e Rodolfo Landim, acabou alvejado por caciques do Centrão.
Com levantamentos internos apontando perda de popularidade, Bolsonaro aumentou as cobranças ao general e as reclamações ao ministro Bento. “Temos de fazer alguma coisa. Mostrar que temos sensibilidade”, disse Bolsonaro, de acordo com relato de um auxiliar que participou de uma reunião do presidente com Silva e Luna. Um dos questionamentos do presidente era por que a empresa não definia o preço com base no seu custo em real.
Bolsonaro estava extremamente incomodado que dois adversários nas eleições – Lula (PT) e Ciro Gomes (PDT) – estavam explorando a inflação dos combustíveis para atacar o governo e prometendo desatrelar os preços domésticos ao critério internacional, para “fazer o preço em real”. Bolsonaro questionava: “Por que eu não faço o preço em real? Está errado isso aí.”.
E agora?
Com a aprovação de José Mauro Coelho, não são esperadas grandes mudanças. José Mauro já vinha sendo cogitado para um cargo na diretoria. A não confirmação de Adriano Pires e a desistência de outros nomes consultados, apenas o alçou à posição de CEO da Petrobras.
Em Brasília, acredita-se que ele deva botar alguma pressão e pedir para segurar preços, a pedido do ministro Bento. Mas, o que se espera é que, à medida que comece a entender o ambiente no qual se encontra, siga o mesmo caminho do general.
A não ser que a guerra da Rússia contra a Ucrânia entre em uma fase mais complicada, a tendência é de manutenção do preço do petróleo Brent na faixa de US$ 100 o barril ou mesmo de queda. Dessa forma, a sorte garantirá a ele a chance de ficar bem com o mercado e com Bolsonaro. Hoje os preços estão alinhados, sem espaço para redução. Mas, há tendência de estabilidade ou até de queda nos próximos meses.
Procurados, o Palácio do Planalto e a Petrobras não se manifestaram.
Estadão Conteúdo